Os Perigos da Abundância

Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade.

Filipenses 4:12

É muito comum estarmos preocupados com a possibilidade de virmos a passar necessidade, até porque essa não é uma situação muito agradável pra ninguém, seja em que área for da vida. Estar doente, fragilizado emocionalmente, ou sem dinheiro, tudo isso nos assusta e nos preocupa, e acaba nos empurrando para Deus - ainda que não pelos melhores motivos - em busca de uma solução.

Mas fartas são as promessas de Deus sobre nos socorrer no momento de necessidade, e elas são constantemente lembradas nas igrejas e até exageradas, porque Deus não prometeu pra ninguém que vai nos deixar ricos, como muito se diz por aí; Ele prometeu que atenderia todas as nossas necessidades.

Fui moço, e agora sou velho; mas nunca vi desamparado o justo, nem a sua semente a mendigar o pão. 

Salmos 37:25

Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom.

Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário?

Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas?

E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura?

E, quanto ao vestuário, por que andais solícitos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam;

E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles.

Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé?

Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos?

Porque todas estas coisas os gentios procuram. Decerto vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas;

Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.

Mateus 6:24-33

Pouco se diz, no entanto, sobre a necessidade de buscar graça em Deus para lidar com a fartura. O pensamento comum parece ser que, se estamos de barriga cheia, então está tudo ótimo, e sabemos lidar com essa parte sozinhos, sem ajuda do Senhor. GRANDE ERRO.

Salomão foi o rei mais sábio que Israel já teve (à parte de Jesus). Vejam como ele orou sobre o assunto:

Duas coisas te pedi; não mas negues, antes que morra:

Afasta de mim a vaidade e a palavra mentirosa; não me dês nem a pobreza nem a riqueza; mantém-me do pão da minha porção de costume;

Para que, porventura, estando farto não te negue, e venha a dizer: Quem é o Senhor? ou que, empobrecendo, não venha a furtar, e tome o nome de Deus em vão.

Provérbios 30:7-9

Ele captou muito bem o problema da abundância, da fartura: esquecer-se do Senhor. Ensoberbecer-se. Cercar-se de entretenimento, que afasta o pensamento de Deus. Na verdade nós subestimamos o poder da fartura como desviadora do caminho, mas ele é bem seriamente sublinhado na Bíblia. A fartura é citada como sendo uma das bases da iniquidade de Sodoma:

Eis que esta foi a iniquidade de Sodoma, tua irmã: Soberba, fartura de pão, e abundância de ociosidade teve ela e suas filhas; mas nunca fortaleceu a mão do pobre e do necessitado.

Ezequiel 16:49

Vemos que a fartura está atrelada a outros dois fatores de pecado: 

1) a ociosidade: você não precisa mais trabalhar tanto, fica com tempo livre, e se não estiver bem governado pelo Espírito Santo, o risco é grande para utilizá-lo conforme a vontade de carne, que nunca resulta em algo bom; 

2) soberba: você olha pra tudo aquilo que "conquistou", e pela vaidade natural humana, esquece que tudo o que temos vem e sempre virá de Deus, e na verdade não é nosso, mas está sob nossa mera administração. Você começa a se achar grandioso pela sua grande habilidade, inteligência, riqueza e poder, e esquece do Senhor.

Se formos analisar a história de Davi, durante o tempo em que permaneceu em dificuldades e perseguições, fugindo de Saul de um lado e enfrentando os filisteus por outro, ele nunca pecou contra Deus. Foi somente após estar com seu reinado estabelecido, descansando na fartura que Deus lhe deu, que ele cometeu os dois grandes pecados que marcaram sua vida, o adultério com Bate-Seba e a subsequente armadilha para matar o marido dela, Urias (2 Samuel 11), e a contagem do povo (2 Samuel 24). Se formos observar esses capítulos, o primeiro pecado ocorreu num momento de ociosidade, quando Davi não foi a guerra e se deu ao luxo de ficar na cidade, e o segundo, foi em parte um ato de soberba, pois Israel não era o reino de Davi, mas de Deus. Por que Davi tinha que contar aquilo que não lhe pertencia, como sendo de sua própria glória?

A mesma coisa ocorreu com Nabucodonosor. Seus caminhos terríveis foram sido bem-sucedidos somente porque Deus o escolhera como instrumento para exercer seu Juízo contra as nações, mas no auge da glória do seu reino babilônico, ele o observou e se encheu de soberba; como resultado, enlouqueceu e ficou como animal, até reconhecer que só de Deus vem o poder (Daniel 4).

Isso sem contar os avisos do próprio Jesus, que contou muitas parábolas sobre os perigos das riquezas. Temos a história do Jovem Rico, que inicialmente estava até disposto a seguir Jesus para obter a vida eterna, mas quando isso requereu a possibilidade de ter que se desfazer de suas riquezas, ele desistiu. Por isso Jesus disse: "É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus". Marcos 10:25. 

E há a parábola do louco insensato (Lucas 12:13-21). E a parábola do rico e Lázaro (Lucas 16:19-31). E a parábola do semeador, em que as riquezas são os espinhos do caminho que abafam a semente do Reino de Deus (Marcos 4:19). 

A conclusão disso tudo é só para que se veja esse estado com cautela. Não só os que chegam a ser ricos, que não são muitos, mas todos aqueles que estão numa posição financeiramente confortável deveriam orar para aprender, como Paulo, a ter abundância. Esse estado precisa de oração e vigilância com temor a Deus, para que não sejamos abocanhados pelo inimigo das nossas almas, por estarmos distraídos e confiantes em si mesmos, e da fartura ele nos arraste para a soberba, avareza, amor ao dinheiro, ociosidade, distância de Deus.

Vigiai!

Mas aquele que perseverar até ao fim, esse será salvo. 

Mateus24:13